Em 2020, Bluma Guenther Soares completa 50 anos de UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Foi nesta instituição que ela fez da graduação em Química até o doutorado e é onde hoje é professora no IMA (Instituto de Macromoléculas), onde pesquisa principalmente materiais condutores. Os polímeros misturados com cargas condutoras têm aplicação principal, na pesquisa de Soares, na área de blindagem eletromagnética.
“Na área civil, você tem equipamentos cada vez mais sofisticados usando wireless e isso é uma emissão de ondas eletromagnéticas de um lado pro outro. Isso causa interferência entre equipamentos e também pode causar problemas de saúde. O que estudamos são materiais que você coloca em equipamentos para protegê-los das ondas eletromagnéticas e evitar absorver ondas que dificultariam a transmissão. Na área militar, a aplicação é na área de tecnologia furtiva, para navios e aviões serem protegidos de radar. É tática de defesa”, explica a pesquisadora.
A afinidade com essa linha de pesquisa surgiu durante seu pós-doutorado na Universidade de Liège, na Bélgica. Lá, o orientador afirmou que a única pesquisa disponível era o projeto de compósitos condutores de eletricidade. “Eu reclamei que não era esse o projeto inicial, aprovado pelo CNPq, mas disseram que tudo é material multifásico e esse era o interesse deles naquele momento. Eu tinha duas opções: bater o pé, e eles me deixarem na geladeira, ou aceitar o desafio. Era pura física, e eu era de química orgânica”.
Mas ela conseguiu aprender, publicar artigos sobre o tema e, desde então, não abandonou a linha de pesquisa. Atualmente, ela orienta aproximadamente 30 alunos, e também leciona para estudantes da graduação de Química, sua porta de entrada na UFRJ. A empolgação com que eles participam das aulas, explica, é o principal motivo. Mas “sem generalizar”: também há alunos muito empolgados na pós-graduação.
Hoje os institutos e escolas relacionados ao estudo da Química na UFRJ estão bem definidos, mas Soares conta com orgulho que foi uma das primeiras profissionais a ver o nascimento do IMA e da consolidação da (EQ) Escola de Química. Relembra, entretanto, quando chegou ao Rio, em 1970, viu um cenário triste. O ano anterior, o primeiro pós instauração do Ato Institucional 5, foi de muita repressão na universidade.
“Fiquei desconfiada de fazer amizades, em um primeiro momento. Mas tinha muita gente boa, e Escola de Química sempre teve muita mulher. Foi uma época boa, apesar de todos os percalços”, relembra.
Saída do interior
Bluma Soares é nascida e criada em Barra do Piraí, no interior do estado do Rio de Janeiro, mas decidiu sair da cidade em direção à capital em busca do sonho de estudar Química. A paixão pela área surgiu ainda aos 16 anos, e o primeiro momento em que pode ter mais contato com o estudo científico foi conquistado com muito suor. A mãe exigia que ela fizesse o chamado “curso normal” no ensino médio, que ao final já habilita aqueles que se formam a lecionar nos primeiros anos do ensino fundamental. Ela, no entanto, queria aproveitar aquele período para estudar outros temas. Enfim, chegaram a um acordo: a menina estudaria no curso normal pela manhã e, à noite, num curso científico.
De família de classe média, Soares relembra que nunca teve grandes dificuldades e se reconhece, hoje, uma privilegiada por ter tido oportunidades na trajetória acadêmica e profissional. “Apesar da minha família não ser rica, eu estudei em um bom colégio, sem grandes dificuldades. Acho a pior coisa desse mundo o pessoal que sobe na vida e diz que qualquer um pode. Não, existe a oportunidade. Eu estudei pra caramba, mas tem muita gente que faz o mesmo e não consegue um lugar ao sol, principalmente se você vem de uma família pobre, com vários problemas que se sobrepõem”, analisa.
A mesma crítica ela estende também a outros problemas estruturais. Mesmo com a intensa carreira, criou três filhos, que hoje têm 43, 41 e 40 anos, mas reconhece que teve auxílio de outras profissionais, como empregada doméstica. Pondera que há mães que não dispõem do mesmo recurso, e que isso não deveria ser um impeditivo: “O problema é que no Brasil não tem apoio do governo. A gente tinha da empregada doméstica, mas não deveria. O trabalho doméstico não desqualifica ninguém, mas o que deveria ter era creche para que todas as mães pudessem deixar seus filhos e trabalhar”.
Hoje, com os filhos já criados, Soares conta que sequer tirar férias, e passa maior a parte dos dias auxiliando seus alunos nos laboratórios do IMA. Com pressa para descer mais uma vez as escadas e tirar eventuais dúvidas, ela finaliza afirmando que não tem a menor pretensão de abandonar a pesquisa, os alunos e, claro, a UFRJ.
Por Lola Ferreira | Confira a matéria na íntegra.